Rosa Roque revolucionou a indústria musical do país ao criar, no princípio dos anos 80, As Gingas. Na semana passada, a autora de “Fuba” “Filhas de África” e Xiyami foi distinguida com o Prémio Nacional da Cultura e Artes, um reconhecimento que aguardava há 36 anos.
As Gingas ou Gingas do Maculusso foi o maior agrupamento musical feminino surgido nos anos 80. Criado em 1983 num dos programas infantis da Rádio Nacional de Angola, integrando Gersy Pegado, Ruzena Galiano, Belinha, Nené, Anagui, Vitória, Inês, Mena e outras.
Durante quase 25 anos de carreira, produziu os álbuns Mbanza Luanda, Malange Natureza e Ritmos, Xiyami, Muenho e Luachimo, com os quais efectuou tournée pela Europa, Ásia, América e África. Teve ainda algumas obras dispersas: Pérola Azul Brincadeira boa (infantil)
Além produzir para As Gingas, a professora teve presença incontornável no Movimento da Música Infantil Angolana, e compôs para vários artistas infantis.
Ao longo do seu percurso, foi directora artística na Secretaria de Estado da Cultura, criou projectos para centenas de crianças dos quais corais Gigante e Patinhos, de onde resultaram os artistas Kizua Gourgel, Jelson Malamba, Figueira Ginga entre outros.
Agora já com 67 anos, Rosa Roque, a “eterna professora”, directora artística e compositora das Gingas, fala sobre os projectos, perspectivas e o que pensa da recente atribuição feita pela cultura angolana.
Granjeia o respeito dos angolanos pelo trabalho que desenvolveu com As Gingas do Maculusso. Ao longo desses anos todos, qual considera ser o maior reconhecimento que recebeu?
O maior reconhecimento que tive, que senti foi, sem dúvida alguma, o apoio do povo. As manifestações dos fãs, as reacções a cada lançamento das Gingas, isso foi incrível. Foram os gestos de pessoas humildes e de entidades, as várias homenagens de personalidades e instituições. Isto foi galvanizador! Os apoios, incluindo os financeiros, foram surgindo de forma natural, de tal forma que eu pude gravar três discos consecutivos, logo no início. Em 1996 “Banza Luanda”, 1997 “Malanje Natureza e Ritmos” e 1999 “Xiyame”. Foi uma trajectória que teve um início extraordinariamente bom.
Acabou de receber o Prémio Nacional da Cultura & Artes, mas antes já tinha sido reconhecida com um diploma de mérito nacional da música, Diploma Baluarte da Música Angolana e a Distinção de Mérito em Malanje. O que a presente atribuição significa para si?
O prémio que acabo de receber representa o reconhecimento do próprio estado angolano. É algo que poucas pessoas podem sonhar em alcançá-lo, por isso é especial. É honroso. Ainda bem que me lembra dessas distinções de que já fui alvo. Foi muito bom e deu-me a certeza de que a minha obra já tinha deixado de ser uma mera diversão e que já tinha passado para a parte investigativa. Há muita gente a estudar As Gingas, a estudar Rosa Roque, Isso transmitiram para mim coisas que eu jamais pensei.
O prémio é algo de que sempre esperou?
Eu diria que, numa certa altura, exactamente depois sucesso do álbuns “Xiyame”, onde se ouviu o “Enconsta na Parede”, depois da ausadia de “Muenho” no Filhas de África, eu pensei que não tinha concorrência possível (risos). Aí sim, eu disse que eu vou, com certeza, merecer o Prémio Nacional da Cultura (risos). Como não aconteceu, eu fiquei relativamente triste. Andei aí a refilar um bocado, mas enfim, preferi ficar calma, tranquila, relaxei e preferi continuar o meu trabalho. Sem mais esta expectativa. Portanto, acontecer o prémio nesta altura, neste contexto foi uma surpresa absoluta. Definitivamente já não estava à espera.
A professora é conhecida por recriar, através das composições, histórias, estabelecendo um hiato entre a razão, a memória musical e a reflexão estética manifestas no canto e na dança. Como é que olha para a forma como se procura transmitir esses sentimentos na música hoje em dia?
É uma questão bastante complexa, é um processo complexto que tem a ver com a educação no sentido mais lato, educação desde tenra idade. Tem a ver com as influências, com a vivência de cada jovem, de cada criança, com a divulgação da música dos media. Portanto, qual é a intensidade com que se divulga a a música angolana nos media? Tem também a ver com a facilidade que hoje os jovens tem de mergulhar nas redes sociais. É um processo que depende de muita coisa, mas que me preocupa, porque no meio de toda esta diversidade que os jovens procuram, desta globalidade, Angola não tem um espaço importante no interesse e na vontade dos jovens. Está preocupante. Eu gostaria que eles interiorizassem mais os nosso ritmos, a nossa essência, para que pudessem, de facto, um dia fazer a diferença no mundo.
Em quase 30 anos produziu seis álbuns com As Gingas, nomeadamente Malange Natureza e Ritmos, Mbanza Luanda, Xiyame, Luatchimo, Muenhu e Mangonha. Era tudo que quis fazer ou foi o que pôde e porquê?
Já não há grandes planos, mas está ainda de pé o grande show Reencontro, que foi adiado por causa da pandemia. Acabamos de aceitar outros desafios, próprios deste contexto como foi o caso do live no Kubico da TPA, que acabou por ser uma provocação para os nossos fãs, de modos que, certamente, outras coisas irão a acontecer.
Criou o projecto Avilupa Kuimbila e teve grande protagonismo com as Gingas. Como é que gostava de ser lembrada?
Sem dúvidas, As Gingas foram o grupo mais visível da minha prestação, mais visível do meu trabalho que, logicamente, sabem que o Avilupa Kuimbila foi um grupo núcleo criado para unir a corrente masculina à feminina, que depois se transformou na base organizacional e também o exercício empresarial. Sobre isso e sobre muitas outras coisas que vocês querem saber, eu vou propor que falemos numa outra altura, porque, na verdade, como disse, estou emocionada demais para reflectir noutras coisas. É um momento de pura emoção e de comemoração, de uma grande victória de vida em pleno período de dolorosa pandemia nos 45 anos da nossa independência.