Com mais de 200 produções artísticas, Osvaldo Ferreira volta à ribalta e traz a história social do quotidiano luandense em 20 peças de arte.
O artista plástico propõe novos caminhos para a arte figurativa angolana, através de uma amostra petente na galeria do Banco Económico, em Luanda.
Composto por 20 peças, no trabalho, o autor elabora uma “práxis local”, denunciando a eclosão, ao mesmo tempo que defende a busca de um novo estatuto para a imagem da continuidade e descontinuidade geracional que se encena no espaço público urbano.
A colecção resulta de um intenso processo investigativo que, com a galeria This Is Not A White Clube, o artista vem desenvolvendo e podem ser apreciadas, gratuitamente, de segunda a sexta-feira, das 10h00 às 17h00 ou sábados, das 10h00 às 13h00, na sede do Banco Económico, Mutamba.
Distinguido, no ano passado, com o Grande Prémio de Pintura, ENSA Arte 2020, Osvaldo Ferreira ostenta um currículo profissional invejável. É dos primeiros angolanos a ter formação superior em Artes Visuais em Angola e seus trabalhos são consumidos em países como Estados Unidos da América, Israel, Itália, Roménia, Reino Unido, Espanha Portugal e este ano vai expôr na Town Art Fair 2021, África do Sul.
Integra a lista dos primeiros artistas angolanos a conseguir formação superior na área. Em que circunstâncias começou a perceber que precisava de formação universitária?
Tomei consciência que tinha aptidão para a pintura mas igualmente que o talento e a inspiração por si só não bastam. O meio artístico é um meio complexo e com uma profissionalização crescente. A formação é extremamente importante para melhorar a qualidade da produção e desenvolver conhecimentos técnicos. Alia-se o dom à ciência!
Até onde isso lhe foi benéfico?
Ajudou a adquirir conhecimentos práticos e teóricos importantes e que me são muito úteis hoje em dia. Ajudou a promover a autorreflexão e o espírito crítico e deu-me ferramentas para conseguir conciliar a exploração da componente prática com a pesquisa teórica. Foi ainda um forte impulso para o envolvimento no meio artístico. Naturalmente que a formação académica que fiz é apenas um começo. O enriquecimento de conhecimentos e a pesquisa são necessariamente um processo contínuo.
E acaba por evidenciar esta continuidade na presente exposição…
À exposição está subjacente, numa primeira instância, um princípio de mudança e de ruptura. Apresento uma série inédita de trabalhos ligados a uma formulação estética, que é fruto de um processo de investigação e experimentação continuada a que me dediquei ao longo do último ano.
Que caminhos teve que trilhar para obter o resultado da amostra?
Foi um processo bastante meticuloso que me propus empreender num momento pautado pelos condicionalismos impostos pela pandemia, que nos obrigaram globalmente a uma revisão de posicionamento no meio artístico. Foi também neste mesmo ano que se sedimentou a minha relação com a galeria This Is Not A White Cube, com quem firmei um contrato de representação e com a qual, desde 2020, tenho vindo a trabalhar num processo imersivo. A equipa curatorial da galeria procurou estimular em mim o aprofundamento dos processos metodológicos, de pesquisa e de construção de espírito crítico face às práticas locais para a partir daí encontrar o meu próprio espaço no meio artístico e o meu próprio vocabulário estético e plástico.
Esta vocabulário estético traduz-se na relação de continuidade e descontinuidade intergeracional, que é hoje uma discussão nas artes plásticas angolanas. Em que aspectos a nova vaga de artistas plásticos pode se rever nesta na Dissidência Extragante?
Há uma geração que está a fazer emergir um novo olhar sobre África através das artes, seja por via da afirmação da tradição, seja por via da redefinição dessa herança e desse legado. Nascem outras normas, outros princípios e valores. Vivemos um momento único, em que a própria História da Arte de Angola e do Continente está a ser reescrita e isso não pode ser, senão inspirador e impulsionador de crescimento e de mudança. Vivemos igualmente um momento em que a Globalização se adensa e é no contrabalançar destas duas realidades que reside essa noção de uma relação de continuidade/ descontinuidade intergeracional. Diz-se que a arte contemporânea é o espelho do seu tempo e a obra que produzo não foge a essa condição. Há nela um equilíbrio entre tradição e contemporaneidade, há nela a marca de um legado e simultaneamente a busca por um renovar de linguagens. As cores exuberantes e a citação e reinvenção dos padrões têxteis tradicionais são talvez a marca mais evidente deste princípio. Além de uma paleta opulenta, integro com frequência elementos que reportam à tradição têxtil africana, cujos padrões recupero e reinvento. Trata-se de uma alusão à tradição que se renova e se deixa contaminar na contemporaneidade.
Que Osvaldo o processo criativo de “Dissidência Extravagante” ajudou a revelar?
A mostra “Dissidência Extravagante” é fruto de um processo denso. Esse processo trouxe-me uma maior profissionalização, novas ferramentas de investigação e de experimentação. Foi um processo de capacitação e que revelou um Osvaldo mais consciente e comprometido com a exploração e recuperação de aspectos ligados às tradições autóctones e à cultura relacional do continente africano.