Na sua mais recente exposição, o artista plástico provou mais uma vez que, em momentos de crise tudo o que a pessoa precisa para aliviar a dor é de arte.
Hildebrando de Melo esconde-se no conceptualismo e evidencia suas origens africanas, por meio de nove obras de arte em desenhos e duas em dimensão plus, mantendo em comum o contorno de uma centopeia laboriosa, diminuta e quieta, que acumula em “seu respaldo” o poder económico.
É um artista que se reiventa e funde o modernismo aos tempos ancestrais, mas nunca se desvia das suas origens africanas, o que lhe permite se enquadrar no perfil de um “verdadeiro actor social”.
No respaldo dos dois meses da amostra, que encerrou na última semana, no Centro Cultural Brasil Angola, Hildebrando de Melo aborda, fundamentalmente, assuntos que dizem respeito a sua área de actuação.
Mantrax parece sequência da série Zortax. Que conceito esconde esta exposição?
A colecção Mantrax, efectivamente surge na sequência do projecto Zortax, porque Zortax foi uma sequência no qual consegui chegar a este ponto-traduzir a pintura, passá-la para a forma bidimensional-plana e métrica, para a forma tridimensional em que aparecem agora objectos.
Primeiro, era planimétrica de chapa, agora está muito mais encorpado e tem objecto a sair da tela como consequência de todo o trabalho que tenho vindo a desenvolver em torno da minha estética. Essencialmente é isto. É um passo em frente dentro do que tenho vindo a depreender como artista plástico em matéria de formalismo do meu trabalho, onde me quero situar e aonde quero ir, por isso, todas as vezes que Hildebrando apresenta uma exposição algo de novo está sempre a emanar e a envolver e esta é que é a grande questão.
Com isso que mensagem especifíca queria passar à sociedade?
A mensagem é sempre a mesma, sendo por vezes assuntos actuais, nós artistas plásticos e fazedores da arte somos híbridos, catalisadores dentro da sociedade, então tentamos aflorar questões que nos inquietam. Por vezes, pode ser a questão do lixo, da falta de alimento. Outras vezes, quer queiramos quer não, vamos parar na política.
Somos efectivamente isto: híbridos e relatamos problemas da sociedade-como é que elas se articulam e que de melhor contributo é que nós podemos dar ao nosso tecido social. Neste cenário os artistas, no geral, quer músicos, artistas plásticos, escritores e não só, têm um papel fundamental, porque alertam para o que está a ser mal feito e o que não está a ser tão bem feito.
A cultura, as artes visuais em particular, foi do sector mais afectados pelo Covid-19. Qual foi o impacto da pandemia na sua carreira?
A pandemia não veio alterar o meu trabalho, porque o trabalho que eu tenho vindo a desenvolver, julgo que está no pináculo, porque é uma coisa que tem sido a ser construída há 20 anos, quer dizer que, nada veio a alterar. Se me disser em matéria de estratégias, sim alterou. Mas em relação a minha obra, da forma como eu a articulo, até veio ajudar: tenho mais tempo para ler, investigar.
Procurou sempre evidenciar o autodidactismo nas suas criações, e não descura suas origens. De que forma estes elementos estiveram patentes no Mantrax?
Eu procuro sempre evidenciar aquilo que eu sou, a minha natureza. A minha criação, é obvio que descura, conforme diz, as minhas origens, o meu africanismo. Independetemente de eu ter fundido a pintura moderna desde os tempos ancestrais à presente data, o africanismo, o meu red-image, esta object art, está lá na obra. Este projecto é o culminar de todo este aprendizado, deste trajecto. Não é única e exclusivamente uma exposição, teríamos que estar a falar de uma consequência de treze, catorze projectos expositivos solo. Reiteiro, não é só esta exposição, tem muito para atrás. Estar a debater 30 anos numa exposição é um bocado inglório.
Sou um artista com uma certa reconhecimento e com certo know how e com certo trajecto. A única e exclusivamente é glutinar e passar por cima disto tudo.
O artista é também um actor social. No nosso caso específico, qual devia ser o papel do artista?
O artista é dos mais importantes da sociedade. Na Antiga Grécia, os artistas até não pagavam nos bares e nos restaurantes, porque tinham este estatuto especial em sociedades, visto que as sociedades desenvolveram, este paradigma, é claro, está em desuso. Hoje o paradigma é totalmente diferente: um artista tem que trabalhar para sustentar a sua família e é neste quesito onde as coisas se tornam claramente difíceis.
Muitas das vezes, o artista é muito mal interpretado, ninguém gosta de ouvir a verdade e a política anda sempre atrás dos artistas para o escalar, amordaçar. O papel do artista é trazer todos esses problemas e questionar sobre o que vai ser daqui a dez, cem anos. O artista joga um papel importante- a especificidade de ser artista. Nem todas as pessoas em sociedade têm este grande privilégio de poder fazer transbordar o mundo, de poder transpor o mundo tal qual ele é. Claro que isto é tudo relativo. Quanto a mim, ser artista é preciso ser pessoa, é preciso, além de ser, saber ser.
São 30 anos de percurso. Como é que resume a sua carreira artística?Eu resumo a minha carreira artística em muita luta. Eu sou um lutador nato. A mim ninguém me põe KO. Tenho um staff, uma estrutura que exige muito de mim em matérias de criação para poder ir sempre a frente. Eu preferiria não me queixar dos apoios do Estado, efectivamente nunca os tive. A pintura não mente é mesmo congelação da pintura no momento, dito cor da luz, cor e sombra. É isso que eu resumo minha carreira artística: muito sacrifício, muito amor à arte. Penso no que nós vamos deixar no futuro, é assim que eu defino minha carreira-muito trabalho.
É um dos que defendem a criação de um sistema de arte nacional. Se tivesse que deixar um conselho ao Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, qual seria?
Primeiro ponto, para criar um sistema o estado tem que criar utensílios para os artistas e onde é que passa esses utensílios-pela educação, depois pelos espaços expositivos que este mercado tem que ter para criar um movimento e as pessoas criarem um diálogo em relação à arte.
Talvez, nem sejam conselhos, seja um reparo, para que ele efectivamente não faça o que todos ministros fizeram: ter importunado os artistas, por causa da máquina política que existe, de terem conspurcado os artistas; não lhes ter deixado fazer o que é devido, que é o seu trabalho. Porque arte e política, acho, não misturam as duas.
Outro reparo, é não se pode fazer omelete sem ovos e neste caso, imagina a factura do OGE para a cultura é mínima, claro que também o ministro não vai fazer milagres, mas ao menos não atrapalhe os artistas. O que eu sugiro é o Ministério não atrapalhar os artistas e deixar os artistas fazerem. Os ministros não devem atrapalhar os artistas, deve sim estar perto deles, ainda que não deem apoio financeiro, deem apoio moral às pessoas, uma palavra de alento, de consideração.
As vezes apoiar os artistas em matéria institucionais: uma carta ou outra, já que são desprovidos de verbas financeiras, mas pelo menos não atrapalhar os artistas, porque grande parte dos ministros, desde a Rosa Cruz e Silva a Boaventura Cardoso- todos que passaram aí no《Ministério da Cultura》só atrapalharam os artistas. Não criaram espaços para as pessoas exporem; não criaram salas de teatro; não criaram salas de danças; não criaram nada, única e exclusivamente atrapalharam os artistas por isso, deixem de atrapalhar os artistas!