A galeria de arte contemporânea THIS NOT A WHITE CUBE expande a sua presença internacional com a abertura de um novo espaço em Lisboa, no Chiado. A galeria informou em nota, que para assinalar a ocasião, entre 27 de Maio e 17 de Julho, apresentará em simultâneo nas duas delegações de Lisboa e Luanda, uma exposição individual do artista santomense René Tavares.
“In Memory We Trust” promove uma reflexão em torno das noções de memória, história, tradição, património e miscigenação.
A mostra integra mais de 30 obras produzidas entre 2012 e 2021, muitas das quais inéditas e expõe, através de dois núcleos distintos – divididos entre Lisboa e Luanda – uma variedade significativa de meios que vão da pintura ao desenho, passando pela fotografia e pela instalação.
No núcleo angolano, o artista explora os temas da migração e do património que têm sido, ao longo dos anos, um motor consistente de inovação e criatividade na sua produção artística, para no núcleo português dar maior expressão a temas como a memória e a herança cultural.
A persistência do conceito de layer e do conceito de miscigenação define a estrutura principal da exposição, numa visão transposta da própria obra de René Tavares, que introduz reiteradamente combinações conceptuais inevidentes, referências culturais e patrimoniais cruzadas e soluções plásticas compostas.
Os múltiplos estratos que, material e plasticamente se somam em cada obra de René Tavares – seja ela pintura, fotografia ou desenho – encontram uma reciprocidade na sua estruturação conceptual.
O processo de aglomeração de camadas, decorre da transposição para a obra de um olhar que se pode definir como arqueológico ou estratificado sobre a cultura ancestral santomense do Tchiloli – espetáculo tradicional santomense de origem europeia –, que o artista recupera, representa e reinterpreta plasticamente no núcleo de Luanda.
O resgate da imaterialidade do Tchiloli, visto à lupa da produção artística contemporânea que René Tavares consubstancia, é declarado neste exercício que documenta o cruzamento entre as narrativas pessoais – dos actores que o interpretam – e as narrativas históricas mais abrangentes – que os personagens encenam nas ruas de São Tomé e Príncipe.
“Two Lives Tchiloli” é a série fotográfica mais antiga que integra a exposição, e uma das que, de forma mais clara, consubstancia esta ideia de encontro entre o passado e o presente, entre o individual e o colectivo, entre as narrativas pessoais e as narrativas históricas, numa dupla, mas una composição, traduzindo visualmente o encontro entre três povos – o português, o francês e o santomense – e a herança que daí adveio.
Lógica semelhante persiste nas obras de base fotográfica da série “In Memory We trust”, diferindo apenas na assumpção de técnicas distintas. Aqui, confere-se um carácter mais preponderante à pintura.
As fotografias de carácter documental que lhes está na base remetem-nos a um passado histórico e a uma tradição cultural que importa recuperar, mas empurram-nos simultaneamente para o palco da contemporaneidade, onde se debatem concomitantemente ideologias e conceitos ligados à noção de território e de identidade e onde se contesta a pertinência das fronteiras físicas e ideológicas erguidas entre as civilizações.
A memória colectiva dos povos e a herança decorrente dos seus cruzamentos voluntários e involuntários, que René Tavares endereça ao primeiro núcleo expositivo, em Luanda, traduz-se num corpo de obra que nos conduz física e intelectualmente a um outro núcleo, subsequente, em Lisboa, mais actual e comprometido com a visão factual e futura de um continente que, na era da globalização, prossegue na recuperação das suas tradições, na reafirmação das suas raízes e na consolidação de uma revisão da História que hoje, académica e politicamente, se opera no palco internacional.
“In Memory We Trust” interpela-nos, colocando-nos entre a revisão crítica de uma distópica concepção da identidade do continente africano e a exigência da afirmação de um olhar renovado sobre as várias áfricas que África encerra dentro de portas e na diáspora.
A obra de René Tavares socorre-se recorrentemente de um manancial de arquivo para nos lançar incontáveis desafios intelectuais, e a sua prática propõe a redefinição dos campos de expressão artística trazendo à pintura técnicas, gestos e materiais que reportam ao desenho e transferindo para o desenho a gestualidade e teatralidade que é apanágio da pintura. Esta hibridização das linguagens plásticas é ainda transferida à fotografia, reivindicando para a arte um traço de absoluto.