Com 15 anos de existência é uma cópia fiel da nossa realidade e está em cartaz hoje e amanhã no Elinga-Teatro.
Premiada mais de 15 vezes, a nível nacional e internacional, foi escrita e encenada por Flávio Ferrão, estreou em Abril de 2007 e retrata a história de sete presos que partilham emoções, crimes e paixões numa cela da qual tentam escapar.
Durante o enredo, o elenco coloca o dedo na “ferida” das maiores problemáticas actuais e, passado mais de uma década, Hotel Komarka continua necessário e é daquelas representações teatrais que todos deviam assistir.
À Carga Magazine, Leleco -integrante do grupo Henrique Artes, contou porquê que a peça é considerada a “galinha dos ovos” desafiando todos os empecilhos desta arte de resistência.
Tem algum interveniente que participou da concepção da peça e que tenha vivido esta experiência na pele?
São coisas mesmo da cabeça do Flávio. Há 15 anos ele sonhou e deu-nos a estória para lermos e cada um de nós gostou daquilo que leu e fomos fazendo aquele incremento, naquilo que é a construção do personagem de cada um, dos elementos que fazem parte da própria peça. É um projecto de Flávio que acabou por culminar com os ideais do grupo.
Quer dizer que as vossas peças são resultado de trabalhos em equipa…
Claramente. Existe um projecto inicial que acaba por ser sempre pelo mentor, que é o Flávio, e depois ele acaba sempre por partilhar connnosco e nós cada um a seu jeito, acabamos por dar um contributo para aprimorar a obra em si.
Actualmente, ainda fazem a representação da obra com os sete iniciais?
Não. Não porque, sabe que as sociedades são dinâmicas e e quase todos nós temos substitutos, por n factores. Tivemos o Mauro Edson, o Hélio Taveira, Tivemos o Borges Macula, tivemos o Mano… tivemos vários colegas que já foram substituídos ao longo desses 15 anos de espectáculo. Mas este elenco que está aqui é o elenco mais presente nos espectáculos. Está sensivelmente há 14, 13 anos. Garanto que dois a três personagens estão desde o princípio.
Passados 15 anos, sentiram a necessidade de actualizar a peça?
Acredito que o segredo do próprio Hotel Komarka é este. É uma peça intemporal. Pela qualidade dos actores, ela é maleável a todos os problemas que acontecem. Existem peças que são por épocas, um Kambambis, por exemplo. É uma peça de época, mas o Hotel Komarka não. É uma peça intemporal. Porque nós temos a capacidade de tornar ela cada vez mais próxima do público, sem fugir muito da história da concepção da obra em si.
O epicentro da peça são os dilemas dentro de uma cadeia, que outros assuntos vocês trazem , o coronavírus, por exemplo?
Entre outros. Ela por si só, tal como disse, é bastante actual. Todo e qualquer problema social que vão acontecendo: temos o lixo, temos a chuva. Porquê? porque na própria estória dos seus detidos, cada um conta as razões que lhe levaram para aí. Entre esses motivos estão esses choques sociais que vão acontecendo e que lá dentro eles tentaram reflecti-lo da melhor forma para tentar passar para a sociedade em si o que de mal aconteceu e o que de bom ainda pode acontecer. Na verdade, é uma chamada de atenção à sociedade e daquilo que se pode melhorar ainda.
Esta é a essência do espectáculo em si, por isso é que a gente traz a lufada de comédia para não ser tão pesado, porque é uma estória muito dura. A estória é muito dura.
A arte tem esse pendor. Na sua óptica, o que mudou depois de começarem a apresentar a peça nas cadeias?
Na altura da criação do projecto Hotel Komarka, houve um crime que aconteceu na altura e que chocou a sociedade. O que de facto as cadeias melhoraram, já fizemos um laborátorio, já fomos às cadeias. Há dois anos atrás estivemos com os presos na CCL, fizemos um espectáculo, sentimos que sim a mensagem realmente passou, em que ” o crime não compensa” e que eles estão aí para serem reintegrado dentro da sociedade, para que quando eles saírem tornarem seres humanos melhores. As instituições em si devem fazer o seu papel.
A par disso, de que é feito o repertório do Henriques Arte?
É cheio. Henriques Arte é um grupo com uma história… foi fundado em 2000 e nós temos várias obras. Nosso maior foco é a melodrama. Temos o Hotel Komarka, o Passageira, Imbondeiro… felizmente temos tido feedback do público e das pessoas que acabam por nos acompanharem.
O que vos difere dos outros grupos teatrais?
Cada um tem a sua base a sua essência e nós, o Henriques Arte, a nossa matriz é a melodrama. É por aí que a malta tenta caminhar.
De 2000 para cá qual ano considera o “ano de ouro do teatro” no geral e do Henriques em particular?
Acho que foi o 2011, que vencemos o Festival de Teatro de Língua Portuguesa, no Brasil. Consideramos aquilo a liga dos campões do tearo a nível dos PALOP, por a acaso foi impensável, nunca nenhum grupo africano havia ganho, em particular angolano. Nunca fomos para lá com o intuito de vencer, fomos apenas participar e chegar no fim ser coroado com o prémio! ( risos). Acho que 2011 marcou todos os artistas angolanos e as pessoas começaram a olhar para o teatro de Angola de forma diferente. Hoje, temos mais grupos nacionais a irem para festival internacional desde àquela altura. Na altura, já iam, mas não com a mesma frequência.
Vocês encorajaram os outros…
Mesmo lá fora começámos a ser o standart e nós começámos a dizer: também temos o Pitabel, temos o Horizonte. Na verdade, começámos a expandir no máximo para o intercâmbio cultural, porque permite os artistas conhecerem outras técnicas. Hoje ainda não se vive da arte em Angola, infelizmente.
Agora para o teatro angolano de uma maneira em geral, a mim é difícil falar disso, porque eu não vejo, vejo algumas coisas a regredirem. Nós tinhamos em tempos idos o Prémio Cidade de Luanda, que acontecia na LAASP. Nós chamávamos de A Teia dos Gladiaodores, os grupos iam para lá glariar-se de forma amigável, todos os meses de Janeiro, que retratasse Luanda. Todos os anos eram assim. Tal como Festival de Mindelo, Fstival do Rio de Janeiro, esses festivais lá fora já fazem parte da história cultural da própria cidade. Tínhamos esse e hoje não temos. Isso é um marco muito importante pela negativa. É como o carnaval. Era saudável, era bonito, aprendia-se muito com os colegas, hoje infelizmente não temos.
O que estará na base desse retrocesso?
Eu não sei. São políticas… não sei que tipo de dificuldades… se são financeiras… mas eu acredito que isso já não é desculpa, isso já não cobre. Temos que fazer alguma coisa. Infelizmente a situação tende a piorar, mas os artistas não param, estamos aqui. Com as enormes dificuldades, mas estamos aqui e vamos continuar.
A par dessas difculdades financeiras e muitas outras… por que razão o teatro é chamado de a Arte da Resistência…?
Eu acho que é dos elementos que nunca desistem, que menos têm apios, porque para uma sociedade que é muito consumista, como a nossa, acha que ter um disco ou ouvir uma música é muito mais valioso do que ter um quadro ou ver uma peça.
Voltando ao Hotel Komarka, sabe-se que com a peça já tiveram mais de 15 prémios. Consideram o Hotel Komarka a vossa melhor obra de arte?
(Risos). É a “galinha dos ovos de ouro”. E cada vez que sai. sabemos que o Hotel Komarca é um espectáculo dos amigos dos amigos, porque quem já viu, quer sempre ver mais e trazer o amigo. Acreditamos que sim. Não é em vão esses prémios todos. Mas se nos deixarem fazer mais hão-de vir muitos hotéis komarkas por aí.
O quê que tem faltado?
Faltam um bocadinho mais de incentivos, mais apoios para permitir com que o artista continue a sonhar, porque às vezes é difícil sonhar e correr atrás do patrocínio e depois não se tem o patrocínio, da sala. Se nós vivêssemos só da arte, garanto que devíamos ter feito muito mais, mas infelizmente, temos que ter um trabalho, temos que nos sustentar, então é difícil. O tempo que nos sobra livre é que nos dedicamos à arte, e é pouco.
Quanto tempo e quanto gastam para montar um espectáculo desta dimensão?
O Hotel Komarka, por ser uma obra já concebida, para preparar levamos dois meses e meio a três meses. Mas uma obra nova, quatro a cinco meses para prepará-la. É um trabalho árduo. Nós começámos isso há 20 anos, há vinte anos éramos muito mais jovens, tínhamos disponibilidade, hoje somos pais, chefes de família. É uma odisseia, mas muito boa.
Até onde é que esta peça já vos levou?
Acho que a pergunta seria: até onde ela vai nos levar ( risos) … Já nos levou para lugares mais impensáveis, muito maravilhosa. Tenho em memória de um espectáculo que nós fizemos no Brasil…
A experiência de levarem a peça para outros lugares além dos palcos angolanos, mais do que dar prémios, dá maior projeccção e conhecimento técnico. O que consideram ser mais importante?
O intercâmbio. Não há valor que pague isso. o intercâmbio cultural é uma força muito enorme. o Hotel Komarka em si é um intercâmbio cultural muito grande. eles lá fora quando vêem o Hotel Komarka conseguem ver a representatividade do povo angolano.
Como é que vocês estão a comemorar os 15 anos do Hotel KomarKa?
A nossa agenda começou nos dias 23 e 24 na Casa das Artes e temos o dia 30 e o dia 1 de Maio no Elinga Teatro, sexta e sábado. Vamos voltar a apresentar em Dezembro a pedido de várias famílias, é hábito. E tem muitos elementos para mostrarmos no Hotel Komarka ainda mais depois desse tempo todo parado. Depois temos “A Passageira”, “Don Juan”… temos vários que vamos tirar ainda este ano.
No vosso colectivo há mulheres. Quando é que teremos a versão feminina do Hotel Komarka?
Olha, não sei. Acho que devíamos levar isso ao Flávio… já temos o 4:30, que é sobre o prédio da Dinic que caiu. Mas temos outras aí vir com temáticas muito fortes, como o Cristal de Beiral.