Luz Feliz ou simplesmente Luz do Spoken, é uma Artivista confessa, uma Mulher d’Palavra, que vive no teatro de forma mais intensa a paixão pelas artes. Formada em Saúde Pública e formanda em Economia e Gestão de saúde é também estudante de teatro. A multifacetada actriz, poeta declamadora (spoker) que se “aventura” como Directora, Produtora de arte e na escrita criativa, vai apresentar amanhã as 17:30 o recital “Multimorfoses”, onde vai apresentar o seu percurso como pessoa e artista. Numa breve conversa com a artivista, ficámos a saber de onde vem e para onde vai a Luz do Spoken, em meio ao “caos” social.
Como surge a ideia de protagonizar um Recital fazendo recurso às redes sociais?
Escolhi este ano para apresentar os meus textos a grosso para o público que aprecia ou quer apreciar meu trabalho, era para Maio em palco, obviamente, mas vi que apesar das circunstâncias que o mundo vive, a vida não para enquanto estivermos a respirar, o que temos de fazer na maioria das vezes é buscar alternativas e munir-se de resiliência. As redes sociais servem perfeitamente como alternativa ou arma para que nos tornemos resilientes neste caso, então só resta aproveitar e desfrutar. E realizar os nossos desejos artísticos ainda que sejam em casa e a cama se transforme no nosso palco.
Do que será feito o Recital “Multi Morfoses”?
MULTIMORFOSES é sobre o meu percurso, como artista e como pessoa, porque não existe a artista sem a pessoa, é sobre a experiência de uma existência consciente das inconstâncias do ser. Este recital será feito de memórias, ecletismo e artivismo.
De que forma é que o Covid-19 afectou a sua carreira enquanto artista visual?
Com as medidas preventivas adoptadas pelo nosso governo, como o distanciamento social, todo o artista de “artes ao vivo” sentiu na pele o confinamento. Estamos acostumados a fazer as coisas acontecerem no momento e recebemos logo o “feedback real” de quem nos assiste, e também tem a questão económica, os espectáculos ainda que não sejam suficientes, são fontes de renda, a arte é o nosso trabalho, então sou afectada tanto pela sede de palco que nos consome, pelos projectos que mais uma vez ficarão engavetados, o calendário traçado vê-se totalmente violado tanto como economicamente.
As agendas dos Spoker, dentro daquilo que pudemos acompanhar, eram preenchidas por actividades todas as semanas. Receiam perder o traquejo?
Está difícil e muitas vezes pode deixá-los enferrujados se não prestarmos atenção, risos… obviamente, que faz falta a energia de estamos todos reunidos para um Slam ou um recital, o frio na barriga ao colocar os pés no palco, o abraço dos companheiros/as de batalha…

E o que há
de positivo no meio deste “caos”?
Não são apenas coisas negativas, como artista visual descobri outras formas de
matar esta sede e criar outros projectos, assim como vídeos curtos
representando ou declamando, e descobri outras formas de engajar o meu público
a poética que vou construindo. Tem sido uma boa oportunidade para aprender mais
sobre marketing digital e gestão de conteúdos como artista nas plataformas
digitais que tenho disponíveis e usá-las como ferramenta de trabalho.
Como se
caracteriza enquanto Spoker?
Sem dúvida nenhuma, uma artivista, uso conscientemente a arte da palavra como
um veículo para transmitir as ideologias que defendo, como o feminismo. Então, o
faço de um modo responsável a fim de não deixar dúvidas sobre o meu motivo para
pisar nos palcos, causar reflexão e quiçá mudanças. Mas além da activista
feminista, a minha proposta é levar a luz a humanidade desse grupo muitas vezes
desumanizado aos olhos de muitos, mulheres que se assumem feministas.
A partir
de que momento decide usar a poesia falada para se expressar?
Em 2017 foi o ano que comecei a pensar seriamente nisto, eu e uma amiga que
também escreve, a Janivath Jóia, inclusive tentamos contactar o movimento
quando ainda nos era desconhecido. Minha intenção sempre foi a de usar a
palavra para denunciar a violência contra a mulher, tanto no espaço privado
como no público, esvaziar-me da sensação de impotência quanto a esta situação e
colocar a loiça suja na mesa. Entendia que era uma forma activa e criativa de
fazer activismo. Mas foi em 2018 que de facto conheci pessoas ligadas ao
movimento e comecei logo participando de um Slam, o Muhatu 2018.
Que ganhos é que a participação no Muhatu lhe trouxe, enquanto principiante neste movimento?
Ganhei uma nova profissão, risos… sim, choveu convites para declamar em eventos, conheci muitas pessoas que hoje são como família para mim (algumas participantes do Muhatu inclusive), ganhei mais visibilidade como artista e hoje eu sou a Luz que faz Spoken Word, risos.
Como
funciona o processo criativo de um texto e/ou recital?
A resposta não é homogénea (para todos) obviamente, mas no meu caso sempre
foram desabafos, desabafos no Facebook que eram lapidados depois e
transformados em textos poéticos. Depois de começar a participar de mais
eventos, comecei a me comprometer mais e escrever não passou a ser apenas obra
do acaso ou da abundância de insatisfação pelas estruturas infestadas pelas
desigualdades e injustiças. Escrever passou a ser um compromisso, um
trabalho… hoje já não espero pela inspiração eu a estímulo se necessário. Mas
claro, assim como para o recital, e eu acredito que para quase tudo na vida,
precisa vir de dentro, tem que ter algum tesão, uma vontade desesperadora de se
vir.
Quais as temáticas que aborda?
Feminismo e frustração, risos… brincadeira, mas é sério… Como a maioria dos spoker’s falo das desigualdades gritantes na nossa sociedade, porém sou muito focada a mulher, e isto não é apenas para falar de violência, também falo sobre o amor, sexualidade e irmandade. Tem muito do que quero expressar ainda na minha arte, além do que expressei até hoje.
A violência contra a mulher é ainda um desabafo que deve ser repetido sempre que possível…
Infelizmente, sem dúvida. Seria bom se não mais precisássemos tocar nesta tecla. Porém como artista, o meu apelo é para que redescubramos e reinventemos as formas de gritar o basta.
Como olha para o crescente movimento do Spoken Word em Angola?
O crescimento do movimento é sem dúvida um sinal do despertar da juventude para a palavra, para o pensamento e a escrita. Porém, percebemos que com a quantidade vêm também outras características que talvez não sejam tão aproveitáveis assim como acontece em toda a “moda”.
Na sua
óptica as competições que têm sido promovidas impulsionam o surgimento de mais
fazedores desta arte?
Sem dúvidas que sim, as competições têm uma energia e dinâmica que é
característica a essa modalidade artística, e que prende quem faz, quem assiste
e belisca quem já sente comichão ou conexão com a palavra.
Quais os projectos que tem em carteira para o Pós-Covid?
Continuar com o calendário que projectei no final de 2019, isto é, realizar o meu recital em variados palcos e com diferentes performances, materializar finalmente um monólogo que está preso na minha alma há anos, produzir eventos como já tenho feito, mas melhor, e se possível ser artista residente em algum canto de Luanda, criar projectos de arte específicos para pensar género e promover a humanidade entre os humanos… enfim, continuar a desejar e a trabalhar para satisfazer os meus anseios artísticos.