Não basta ser bom rapper, Phedilson Ananás ou simplesmente PA, emplaca um êxito atrás do outro, sucesso este que acabada de ganhar mais um incremento, o LP #AVE, disponibilizado ontem, nas plataformas de streaming.
Com provas dadas, reafirma-se como um MC por excelência, que dá primazia à riqueza do conteúdo, combinando-o com habilidades singulares, que o distanciaram dos estereótipos misóginos dos quais foi alvo no início da carreira.
No LP #AVE, Phedilson vem pôr o “dedo na ferida” da desigualdade e liberdade artística e assume o compromisso de ser a “voz da luta contra a segregação regional”, razões mais do que suficientes para dizermos que é um nome a reter e um talento a ovacionar.

2020 foi um ano atípico para a música nacional, apesar de tudo, PA esteve muito presente nas lides. Olhando para atrás, como avalia a sua posição no Rap Game?
Realmente foi um ano difícil em vários aspectos… Uma fase difícil para qualquer músico, visto que questões como concertos e aparições convencionais não puderam acontecer, mas, em contrapartida, para mim, essa “paragem” possibilitou que eu tivesse mais tempo em estúdio e dessa forma, pude trabalhar com mais consistência durante o ano todo em projectos a solo, com o grupo e colaborações… Acredito que isto contribuiu para um crescimento considerável da minha dinâmica de trabalho.
E respondendo à questão, avalio a minha posição no game como uma posição super confortável, porque me sinto bem a trabalhar como trabalho, sem pressão e ainda assim tenho tido resultados satisfatórios. E também sinto que tenho contribuído de alguma forma para que artistas provenientes de outras zonas do país acreditem que é possível se tornaram relevantes sem terem de morar na capital.
E da sua carreira em geral?
Acredito que a minha carreira está numa fase crucial, uma fase de transição para um momento diferente.
Mencionou o contributo que pode dar para que rappers de outras partes de Angola possam se tornar relevantes. Até que ponto isto pesou no início da sua carreira?
Sempre pesa, até a pessoa que tem o preconceito parar para avaliar a nossa qualidade artística, ou seja, muitos partem do princípio de que, se não é de Luanda, então não tem qualidade suficiente. Já vi e ainda vejo algumas vezes certas pessoas se referirem a mim ou outros artistas do interior com esse tipo de abordagem.
Mas uma das minhas causas é esta, lutar contra essa segregação regionalista dentro do rap game e da música angolana, em geral.
Quando foi que efectivamente deixou de ser chamado “rapper da província”?
Deixei de ser chamado assim quando o meu trabalho ganhou repercussão nacional e, posteriormente, a nível da lusofonia. Na verdade isso nunca me incomodou realmente, mas acho super negativo quando se usa esse tipo de referência de forma pejorativa.
E o *Edivaldo dos Santos, ainda lhe chama “preguiçoso”?
(Risos) Acho que seria injusto nesse momento eu ainda ser visto desse jeito.
Faz parte dos planos voltar a dividir uma faixa/projecto com Fidy M, com quem deu início a essa jornada?
Faz sim parte dos planos fazer músicas com o Fidy M. Inclusive, temos falado ultimamente na possibilidade de gravarmos o vol. 2 do Projecto “FidyPhedy”, que teve o primeiro volume em 2015.
A província do Huambo tem muitos bons rappers, não devia aproveitar essa exposição para promover “feats”, facilitando a visibilidade desses talentos “escondidos”?
Tenho feito feats com muitos deles… Os mais recentes foram as faixas “Foco” (do Fábio 3G) e “Desconfiança” (do Merson Clavius). Tenho no LP “#AVE” a participação do Merson e da Jacira Mendonça, ambos artistas do Huambo e tenho também o Amiel Deep, que participou como produtor e coordenador musical de todo o projecto. Mas, na minha visão, a colaboração com estes artistas não vem com objectivo de gerar representatividade, na perspectiva de lhes dar visibilidade apenas, porque são artistas excelentes e que acrescentam qualidade a todo o tipo de projectos musicais em que se envolvem.
Como tem sido conciliar os projectos a solo com o colectivo, Ascensão?
Tem sido fácil, porque somos bwé ligados… Os interesses entre os membros do grupo convergem, então, isso se reflecte facilmente na dinâmica do nosso trabalho.

2020 para si, em particular, revelou-se um ano frutífero. Até que ponto trabalhar com veteranos do Rap contribuiu para o seu crescimento?
Contribui sempre de forma significativa, tanto a nível de mercado, por questões de credibilidade e expansão da imagem, como também por uma questão de realização pessoal…Tenho muito respeito pelas gerações anteriores à minha, por isso é sempre gratificante poder colaborar com alguns destes ícones.
E o que significa para si, estar
entre os preferidos dos seus ídolos?
É dos retornos mais
gratificantes para qualquer pessoa em qualquer que seja a sua área de actuação.
A música que ouvi desde o início da adolescência em diante teve muita
influência naquilo que são as minhas convicções e na minha forma de ver o
mundo, então ter o respeito desses artistas hoje é uma espécie de ganho
inefável.
Enquanto MC, como mensuraria as suas habilidades em termos de flow, métrica e conteúdo?
Sinceramente, não consigo fazer essa descrição, mas tenho uma certeza: não estou ainda a um terço do MC que quero ser. Sinto que preciso evoluir em todos os aspectos.
Como descreveria o MC que quer ser?
Quero ser um MC
indescritível (Risos).
Qual é a história por detrás do título #AVE?
Tem um duplo sentido. No primeiro, faço uma analogia a uma cena específica do futebol (uma das minhas grandes paixões). Se tu estiveres no banco, antes de entrares para o jogo, o treinador diz algo como: “Aquece, vais entrar”, pode dizer com outras palavras, mas a ideia é a mesma.
– No segundo sentido, a liberdade. Nada simboliza tanto a liberdade como uma ave. Significa que me sinto cada vez mais livre para voar para dentro e fora de mim mesmo, com a minha arte. Sem submissão a rótulos ou limitações em todos os aspectos. Livre para ser o artista que eu quiser ou precisar ser.
Diz o adágio popular que aprende-se mais de coragem com o voou do que propriamente a voar…
Isso porque eu nunca me senti tão à vontade para fazer música como agora e esse LP representa um momento de transição… do Phedilson que tinha o rap como hobby para o Phedilson actual, que leva isso como profissão e investe muito mais de si na música que faz… #AVE simboliza a minha entrada no “jogo” de forma mais consciente e séria. É um aquecimento para o que vem a seguir… já não quero estar no “banco”.
Já olha para isso de forma profissional, o Rap já lhe dá dinheiro?
Dá sim. Espero que dê mais do que tem dado. Mas mentiria, se dissesse que já não ajuda nas contas (Risos).
E em termos de produção e participações, as escolhas acabam por ser cruciais, quem foram os eleitos?
Participações: Ascensão Music, Merson Clavius, Dji Tafinha, Phoenix RDC, Francis MC Cabinda, VC (Gabeladas), Hernâni da Silva, Kid Mau, Jacira Mendonça, Gianni $tallone e Soldier. E ainda Skits de Valete e Kool Klever. Produtores: Madkutz, Amiel Deep, DH, PY El Classico, Chronics, Bráulio Montana, Allien, Mill1, Corleone Beats, Junior Beats e Samuel Beats.
#AVE representa um momento de transição. O que mais potenciou a criação de conteúdos para um projecto derradeiro?
Trago uma mensagem de reflexão em certos temas, quero levar os ouvintes a um exercício diferente em termos de temática e sonoridade. O que mais me inspirou?? Tudo, acho que tudo me inspira… Sou super sensível à maior parte das coisas que acontece à minha volta e vou escolhendo sobre quais delas escrever.
O projecto foi apresentado nas plataformas de streaming, é de acesso gratuito?
Está nas plataformas de Streaming… O acesso em algumas delas é gratuito, sim. De momento, não faz parte dos planos uma venda em formato físico. A princípio, o plano ficou restringido à distribuição digital apenas.
O que gostaria de dizer sobre este trabalho, que não lhe foi aqui questionado?
Agradecimento aos meus amigos que contribuíram directamente… Tive ajuda de alguns niggas próximos durante o processo, e é a eles que quero mandar um propz bem grande.
Poucos sabem, mas o PA vem de uma família de músicos, um deles é Nelboy Dastha Burtha. Isso representa alguma responsabilidade acrescida à sua carreira?
Nunca quis deixar o peso do trabalho dos meus familiares interferir no meu… Nelboy é um pioneiro do Hip Hop, uma das grandes Hip Hop Heads da Lusofonia. É um professor para mim, aprendo com ele diariamente. E, também com outros como o Walter Ananás, por exemplo. Mas nunca me deixei pressionar pela história deles. Sinto que preciso e tenho tido espaço pra ser o Phedilson, sem o peso do sobrenome.
Como tem sido a troca de experiência com esta figura incontornável da génese do Hip Hop nacional?
Como já disse… Nelboy é das pessoas com quem mais aprendo sobre a cultura Hip Hop e sobre o mercado musical, em geral.
Ele é super atencioso comigo, por isso, além do laço sanguíneo, temos uma amizade bonita. Um amor de pessoa.
*Edivaldo dos Santos (crítico, jornalista e CEO do hiphopangolano.net )