Consagrado Maestro na Itália, é dos poucos principiantes que dirigiu orquestras juvenis da Alemanha, Itália e França. Mais tarde, viveu momentos amargos, os quais declara estarem ultrapassados. Hoje trabalha num projecto que deseja tornar na maior “orquestra filarmónica de África”.
A partir de que momento descobre o gosto pela música clássica?
Cresci na igreja Messiânica e assistia aos corais. Havia irmãos que cantavam música lírica, mas eu não cantava, até o momento que apareceu o Kapossoca. Fui seleccionado a partir da escola da Mabunda. Estava o director a falar sobre o projecto e eu perguntei se podia fazer parte, daí fiquei 10 anos só a ouvir música clássica.
Lembro-lhe que a Orquestra Camerata de Luanda tem apenas três anos. Onde é que pretendem chegar?
O nosso maior sonho é fazer da Orquestra Camerata de Luanda a melhor de África. Queremos partilhar o palco com a Filarmónica de Berlim e a de Viena.
O que têm feito para lá chegar?
Já partilhamos com as juvenis destas orquestras, quando estamos na Capossoca e eu tive a oportunidade de dirigi-las. O segredo está na disciplina e muita prática.
Está a pensar em renascer os ideais da Orquestra Kapossoca?
Não. Não. Estou a criar a minha essência. Estou a formar o meu legado. Quero deixar um legado bem forte. Eu tive um ciclo com o Kapossoca, este ciclo terminou. Comecei um novo, escrito por mim. Tive momentos muito depressivos.
Sente que nasceu para a música ou é hoje o resulta do autodidatismo e trabalho árduo?
Eu não nasci para ser músico. Não nasci com o dom da música. Tive que me formatar para ser bom. Os meus mestres me ensinaram e depois aperfeiçoei. Sim é auto didactismo.
Se não fosse a música, sobretudo a Orquestra Kapossoca, seria um homem perdido?
Nao, não. No meio de quinze amigos, nem todos se tornam delinquentes. Os meus pais sempre souberam nos direccionar.
Temos conhecimentos de que a Orquestra Kapossoca era formada por meninos de rua…
Nós não éramos meninos de rua. Qualquer pessoa que cria um projecto e quer algum patrocínio tem que criar um marketing estratégico.
E como se sentiam quando ouviam isso pelas rádios e televisões? Não comprometeu o vosso relacionamento com a família?
Tivemos. Depois acabamos por nos entender. Mas nós não éramos meninos de rua. Somos filhos de pessoas humildes, pessoas pobres, mas não nos faltava o que comer.
Mas vocês aceitavam isso e até foram à Itália fruto dessa campanha…
Não tínhamos como não aceitar. Tínhamos que cumprir ordens de alguém que já tinha o seu projecto todo traçado.
As Orquestras atraem turistas e também podem se tornar contribuintes para o Orçamento Geral do Estado.
Assume o que estás a dizer?
Nós nunca fomos meninos de rua. Eu fiz parte do projecto Kapossoca durante dez anos e em dez anos eu não vi ninguém que foi tirado na rua para fazer parte do projecto. Não existiu isso. Agora estou crescido e posso defender-me. Se eu vos disser que houve uma época que o Kapossoca ficou dois ou três meses sem dinheiro e eu levei, durante esses três meses, 50 pães para os 50 alunos que lá estavam todos os dias. Eu sou grato ao Pedro Françony, mas não devo ser submisso a ele. Não posso!
A Camerata tinha agendado concertos no exterior, como está o processo?
Vou ter que revelar o que não podia. Estamos com o projecto de tirar alguns membros da orquestra para ir estudar fora. Precisamos fazer actualização.
Como é que vão custear isso?
Dos nossos cachets. Temos alguma poupança. Nem que tivermos que mandar uns agora e outros ficar para depois. Mas vão todos os membros do Camerata.
O destino já está escolhido?
Se não fosse o Covid-19 cinco a seis membros já estariam fora a fazer universidade de música. Já temos as portas abertas. Temos contactos com várias embaixadas se revelarmos os destinos quem sabe se não podem pôr entraves.
Quem faria isso?
Parece brincadeira, mas o projecto Camerata tem dado dor de cabeça a muita gente. Vocês não têm noção das ameaças que eu Félix tenho passado.
De quem vêm essas ameaças? É uma pessoa conhecida? De que sexo?
Telefonemas, mensagens… vive cá em Angola e é conhecida. De ambos os sexos. É melhor só não continuar… o importante é que estamos a caminhar com o projecto e temos Deus connosco.
Pelo que contou dá para perceber que os interesses do músico nem sempre convergem com os do agente, não teme que isso possa acontecer com a Clé?
Sou muito optimista. Nós gostamos muito de trabalhar com a Clé. Mas estamos preparados para tudo. Nas ideias há sempre formas de consenso.
Para um mercado com ouvidos menos apurados para a filarmónica, quantos concertos têm no mês?
Se se recordam, nós fizemos um concerto no MAAN para 150 pessoas e tínhamos cerca de 700 pessoas. Queremos pelo menos ter dois por mês, fora os que formos contratados, como casamentos…
Sabemos que está a criar uma associação que engloba música e desporto. Que projecto é este?
O projecto está há três meses e será lançado entre Junho e Julho. Quero ver o meu país crescer em termos culturais, pensei em criar um projecto. Procurei professores e formadores.
Conta também com um coral, quantos membros vai integrar este coro?
Tem dois grupos. Um principal, que é o A, composto por 22 e temos também vários subgrupos, onde haverá mais crianças. Queremos direccionar os jovens para não enveredarem para a delinquência.
E como arrecada valores para suportar as despesas?
Cada concerto que faço, no meu cachê, 50% é destinado a essas actividades. Há dificuldades, mas não posso parar só por causa disso.
Tamanha nobreza certamente tem algo em troca…
É assim: eu quero fazer com que os jovens angolanos acreditem nos seus sonhos. Não crio para ganhar dividendos. Não! Faço porque gosto e faço porque as pessoas precisam.

É uma forma de retribuir aquilo que recebeu do Kapossoca?
Sim. Também. Um dia eu não tinha um violino para tocar e noutro dia, alguém me deu esta oportunidade. Que tal eu fazer o mesmo ou até fazer melhor?
Na sua óptica, de que formas é que as orquestras e instituições filantrópicas podem ajudar o estado neste momento de crise?
Angola enfrenta novos desafios, as Orquestras atraem turistas e também podem se tornar contribuintes para o Orçamento Geral do Estado, precisamos continuar a investir na nossa cultura, países como Alemanha, Itália, Rússia e Holanda, têm as Orquestras como contribuintes, elas rendem muito, porque são bons e vendem bem o seu peixe.
Há um reparo que eu gostaria de fazer ao estado no que concerne às fundações que dependem do estado, todas estas fundações têm gerado gastos avultados ao estado angolano, o estado devia adoptar mecanismos de fazer com que estas fundações passassem a gerar receitas por de realização de actividades culturais e assim baixava-se os gastos e os gestores das mesma não teriam que recorrer aos cofres do estado quando não estiverem a fazer boa gestão.
A instabilidade social face ao Covid-19, já “beliscou” a sua agenda. Quais os conselhos que deixa nesta fase de prevenção?
Aconselho a população a seguirem as orientações dadas pelo governo no que concerne à Pandemia do Covid-19, não é um simples vírus, precisamos estar unidos, oremos todos, Solidarizo-me com todos os países que vivem momentos difíceis por causa do Covid-19.