Muito cedo, Mamy- The Miss Skills descobriu o gosto pela música, hoje a jovem tornou-se no principal símbolo de resistência do rap. Em conversa com a Carga Magazine, falou, entre outros assuntos, acerca do seu próximo EP e o que pensa sobre o rap feminino feito em Angola.
Para
além do Ta kuyar, tem outros singles em forja e, a quantas andam?
Estou a preparar o lançamento do próximo single para estes próximos
dias. Saí agora em Março, de certeza. O título é Atitude Negra e é uma
celebração da mulher negra, da melanina, dos traços grossos e do cabelo crespo.
Quando
é que pretende publicar o EP Famme Fatale II? Quantas musicas poderá comportar?
Gostaria de lançá-lo em Junho e ter no máximo 8 músicas.
Prevê
participações de mais artistas? Quem seriam? Por quê?
Durante estes últimos anos surgiram muitos artistas espectaculares que
despertam o meu interesse para participações. E tem também aqueles OGs que
sempre sonhei colaborar. Por enquanto não posso avançar nenhuma participação
por não estarem efectivadas.
A
nível de abordagens, o que podemos esperar?
Trago sempre uma mistura de egocentrismo exacerbado e conteúdo lírico. Temas de
intervenção social. Mas, desta vez, tento dar mais atenção ao amor .
Como avalia este processo de aceitação e consciencialização dos
nossos traços?
O cabelo crespo/natural ter entrado na moda foi das modas mais positivas que já
se teve. O processo de aceitação é doloroso, pois são anos e anos a achar que o
padrão de beleza ocidental é o mais correcto e de repente temos que olhar e
entender que a beleza não tem definição. Temos que aprender a amar os nossos
traços, a nossa melanina, o nosso cabelo e tudo isso na base de um resgate
cultural. Demos passos grandes, ainda falta… mas sinto-me muito feliz actualmente
em relação a isso.
Podemos
dizer que as rappers?
Assim de memória, eu, Khris e Girinha fomos as que sempre falaram e defenderam
a mulher negra e os traços da mulher negra. Tanto em músicos mas principalmente
dando o exemplo: eu comecei a usar cabelo natural em 2013 quando não era “moda”
e sofri muito bullying porque achavam que eu estava pobre, chamavam-me de
maluca mas eu sabia do meu propósito e sabia que eu só queria ser natural. E
hoje tenho muitas mulheres mesmo que me dizem que ganharam coragem para usar o
cabelo delas porque eu sempre usei o meu com orgulho e sempre defendia os
nossos traços.
Até que ponto o “egocentrismo exacerbado” é positivo na música?
Eu penso que quando um ouvinte acorda de manhã e olha para o espelho, se ele
ouvir uma música com egocentrismo, aquilo acaba por ser um motivador. Ele vive
como se fosse ele, ele acredita que é capaz, que é grande e forte. E isso é um
impacto positivo.
Conte-nos como tem conseguido conciliar a carreira de engenharia química,
radialista com a música?
Tem sido bem cansativa porque para além disso tenho a minha filha. Mas
basicamente tem a ver com gerir a agenda definindo prioridades segundo o nível
de importância e me focar em completar tarefas diárias. E acima de tudo tento
ter disciplina.
Como
e que esta a viver o mês de Março?
Como qualquer outro mês. De verdade não sou muito ligada à clichés e este mês
sinto muito isso. Especialmente homens que passam o ano todo a falar mal das
mulheres de repente passamos a ser a melhor “coisa” do mundo. É o mês da
hipocrisia mas vale a pena a atenção dada quando tiramos proveito.
A propósito, como olha para a valorização da mulher angolana?
Penso que é muito voltada ao sofrimento. A mulher que sofre, que sacrifica muito é que é mulher, é que é angolana. Romantiza-se o sofrimento das zungueiras e tenta-se utilizá-las como símbolo de mulher porque são batalhadoras, o que não deixam de ser, mas isso é romantizar a pobreza. A mulher angolana deve ser tudo, até a preguiçosa é mulher. Agora devemos sim incentivar, educar, motivar e dar exemplo à mulher angolana para que ela não ceda aos valores invertidos da sociedade moderna e possa sim ser uma base de espiritualidade e princípios sem nos esquecermos que somos seres humanos, também erramos.

Ainda no que toca à valorização, considera que as mulheres já conquistaram o seu espaço no Rap, que é maioritariamente cantado por homens?
Acho que ainda não. Tem muita estrada pela frente. Ainda não conseguimos ter uma mão cheia de mulheres nos tops .
E quanto mais duro vai ficando o mercado musical mais difícil se torna para essas mulheres conseguirem destaques. Num país em que ainda ouço muitos ouvintes dizerem “não gosto nem consigo ouvir rap feminino”.
Na sua óptica é importante que se impor “títulos” como tem sido da praxe?
Eu acho que títulos são só isso “títulos”. De certeza há quem tenha necessidade ter um título mas tudo é relevante porque o que realmente importa é o teu conteúdo. Há muitos reis e rainhas falhados na história. Eu não dou relevância a títulos.
Ainda existe rivalidade entre as rappers angolanas?
As rivalidades vão sempre existir até porque muitas delas partem de um cariz pessoal, que depois pode ser levado para música. E dentro do rap/Hip Hop, a disputa de egos e os posicionamentos levam quase sempre a situações desagradáveis. Relações interpessoais são complicadas.
Nesta senda, quem é a Rainha do Rap?
Pergunta bem complicada, porque teria que definir o que é ser rainha. Até hoje nenhuma mulher teve sucesso 100% do rap, música mais premiado com rap, venceu prémios cantando 100% rap e nos homens tem isso, daí ficar complicado. Tivemos a D. Kelly, que para a época atingiu um bom patamar, a Girinha, que era apontada como tal , mas por alguma razão “perdeu-se” e actualmente temos a maior artista de rap que é a Eva.
Pretende fazer do Femme Fatale uma saga?
Sim pretendo. Depois do êxito do primeiro e pelo nome ter colado, decidi dar continuidade…
Sobre a sua trajectória, qual foi a pior experiência que teve que passar por assumir-se como Rap?
Não diria ter uma pior experiência. Tem os velhos clichés das pessoas pensarem que é música de homem ou de delinquentes e tem ainda aqueles que me subestimam quando ouvem que sou rapper e durante a entrevista ficam surpreendidos com o conteúdo e feitos que tenho na vida.
E quais as experiências que a marcaram de forma indelével?
Não me canso de falar de duas experiências: 1.ª foi ser convidada por um grupo de rap muito conceituado no Brasil: os Inquérito. Gravamos uma música que entrou no EP a comemorar 20 anos de carreira dos mesmos e tive o maior prazer de gravar o vídeoclipe com eles no meio da Av. Paulista, lá em São Paulo, Brasil. Foi uma experiência única e enriquecedora.
2.ª foi cantar no palco do Top dos mais Queridos pela primeira vez, algo inédito e que pelo que pesquisei supostamente sou a primeira rapper a fazê-lo, fazendo assim história ao lado do Yannick, pois foi o 1.º rapper a vencer. Fui à convite do enorme Ricardo Lemvo onde fizemos uma música com o título Fiko Fiko e apresentamos no palco. Fui muito bem tratada e recebi muito mais carinho ainda depois da minha actuação.
Como
avalia o regresso da Revista Carga, agora num formato digital?
Olha, fiquei muito feliz. Era a única revista 100% dedicada
a música com conteúdo de qualidade e que dava visibilidade à comunidade/cultura
Hip Hop. Era única que fazia avaliação de álbuns lançados. Era a única revista
que eu comprava e infelizmente cessou.
Entendo os custos que acarretava e por na verdade estarmos na era digital,
ainda com as dificuldades de Internet do nosso país, acho que o digital é uma
óptima opção, até para poupar o meio ambiente. Acredito que voltarão com a
mesma qualidade.