Patrice N’gangula Cardoso de Lemos ou Txi Txi é etno-musicologo. A sua carreira é marcada pela passagem em academias norte-americanas, belgas e países como Mali, G. Conacry, Egipto e R.D.C. Actualmente,dirige a OPDEAA,uma organização que promove as artes africanas. Em conversa com a Carga apresentou a sua aula magna.
A não partitura da música angolana, sobretudo o Semba, é apontada como uma das principais razões que faz com que o estilo não seja parte dos planos curriculares. Como analisa o assunto?
Pautar a música tradicional africana é uma forma de voltarmos ao colonialismo. Em nenhuma parte do planeta a música folclórica tradicional é pautada. Insistir em pautar o Semba é insistir em voltarmos para a escravatura. Como você vai pautar o Txianda, por exemplo?
E como conseguiu fazer a universidade em etno-musicologia?
Já desenvolvi actividades ligadas à promoção do Rap, Jazz, RnB e Gospel. Depois de tantos anos a ler e tocar música pautada, decidi aprender a música africana, que é a minha identidade. Foram os negros americanos que despertaram a minha africanidade.
Falando assim, fica difícil dizer que chegaremos lá…
Eu acho estranho e abismal. Como é que na minha própria nação a preservação e promoção da nossa identidade parece uma espinha travada na garganta dos dirigentes.
Por que diz isso?
Os dirigentes africanos não conseguem engolir o facto de nós sermos africanos. Este é o problema que África tem. Temos dirigentes que se sentem a par de nós. Sentem-se como europeus. Criam projectos sem pensar na preservação da identidade.
Os músicos o têm consultando?
Sim, tem alguns que deixam a vergonha, mas outros nem por isso. Quando vim de fora houve alguns que vieram ter comigo e descobriram que há um ritmo que andam a tocar errado esse tempo todo.
Na sua opinião por que acha que permitiam isso?
A metodologia e a didáctica da música africana é posta de lado. A expressão corporal do aluno pode me servir de pauta. O africano é que contribuiu para o desenvolvimento da música popular recreativa como o Jazz,R&B, Pop, Rock n Roll, Salsa, Rumba ou Raggae.
Até que ponto é importante ensinar a música folclórica africana às crianças?
É de extrema importância, porque uma criança angolana, isto aplica-se em qualquer parte de África, deveria ter os instrumentos de carácter africano ligado à nossa identidade cultural. Para torná-lo mais prestável no que diz respeito a sua participação no desenvolvimento da cultura, só desta forma vamos reproduzir um David Zé, Lulas da Paixão ou Bangão.
Esta a dizer que o canto, o instrumento e a dança não se devem separar da arte folclórica?
Exactamente! Os instrumentos têm a ver com o canto e o canto com a dança, e no meio deles está a língua. Estes são os eixos da pedagogia e metodologia das artes folclóricas africanas.
Mas, já há escolas a incluírem nos seus planos curriculares aulas de danças contemporâneas. Não considera meio passo dado?
Sem desprezar o que é dos outros, mas uma criança africana aprender primeiro o piano, o balé, a flauta europeia ou o canto lírico é um desrespeito aos nossos antepassados.
Como tem sido a participação dos alunos nas aulas?
As crianças, adolescentes e adultos estão muito maravilhados e dizem que nunca tinham visto. Eles vêem de perto o processo orgânico. Aprendem as origens do Semba e como se toca uma Djembe, Shekaré, Dikanza, Ngoma etc..